No final dos anos 80, uma das minhas tias veio pedir guarida na minha mãe, enquanto esperava os seus problemas matrimoniais se resolverem sozinhos. Ela trabalhou em muitas livrarias antes de se casar, e, talvez por isso, calhou de se juntar com um escritor paraense que interpretava com primor o papel de artista temperamental. Na época eu tinha 15 anos e estava sofrendo a minha primeira paixão não correspondida, o que me levava ao crime hediondo de escrever prosa poética. Essa combinação não podia dar em boa coisa.
Um dia cheguei em casa e encontrei minha tia lendo uma das minhas redações de colégio, justamente aquela em que eu matava simbolicamente o pai da minha paixão platônica, na loja de móveis de sua propriedade, e assumia o seu lugar como um espectro da morte em vida. Uma fantasia psicanalítica rasteira, mas cheia de angústia adolescente barroca.
- Você entregou essa redação na escola? - minha tia perguntou.
- Sim- respondi desconfiado.
- E o que os professores falaram?
- Disseram que estava muito boa e que eu levo jeito. Pra quê? Não sei.
- Seus professores são bons. Seus professores são bons.
Um dia, o marido da minha tia veio lá do Pará fazer as pazes e levou ela embora. Sem eu saber, ela levou a minha redação junto. Uns dois meses depois recebi uma carta dela com um recorte de jornal. A minha redação foi publicada num jornal de Belem. Na carta, ela pedia desculpa por terem publicado fora do caderno de cultura e tão perto dos obituários. Eu até achei adequado. E escondido.
Não soube o que fazer com aquilo. Guardei a carta e o recorte, e passei a escrever poesias que não mostrava pra ninguém.
Alguns anos depois, durante a faculdade, fiquei sabendo que a Editora Sete Letras estava procurando originais de poesia e, meio sem querer, datilografei as melhores que tinha e, sob o título falsamente modesto de “Exercícios de Datilografia”, enviei para a editora. Rapidamente recebi uma carta me propondo a publicação desde que eu dividisse os custos com eles.
Sabe se lá por quê, conversei com um amigo que estudava economia para saber se valia a pena. Ele me respondeu:
- Sempre vale, se você realmente estiver a fim.
Fingi que não tinha recebido a proposta, não respondi e passei a escrever crônicas.
Minhas crônicas acabaram sendo publicadas em alguns jornais e revistas alternativas nos anos 90. Eu ia às festas de lançamento e ficava escondido, aproveitando a cerveja gratuita, mas não me enturmava com ninguém.
O século XXI chegou, e um site me pediu um texto inédito. Enviei, eles publicaram e me chamaram de “possível e eventual promessa da nova literatura brasileira”, seja lá o que isso signifique. Fiquei atônito e envergonhado. Minha reação? Escrevi um novo texto explicando como não ser publicado.
Como na época trabalhava escrevendo roteiros para animações e vídeos educativos, rejeitei a ideia de ser parte de uma cena literária que eu adorava dizer que desprezava, baixei a cabeça e emburaquei no mundo corporativo, escrevendo escondido, nas horas vagas, contos que publicava na internet sem avisar a (quase) ninguém.
Há uns dois meses, a Paula Maria, minha parceira no projeto Toranja, me avisou que a editora Pedregulho tinha aberto um edital para publicar livros de contos. Como tinha publicado online uma coletânea de crônicas do que escrevera de 2000 a 2010, resolvi compilar meus contos da Década Perdida, de 2013 até agora, e enviar. Revisei o material, submeti e esperei receber uma recusa. Ela não veio.
Há duas semanas, a editora confirmou por e-mail e nas mídias sociais que iria publicar meu livro. Me senti alegre como há muito não me sentia, mas também me senti triste por perceber quantas vezes me neguei o direito de ser quem eu nasci pra ser; quantas vezes fingi para todos que não merecia ser um escritor.
Agora não tem mais volta. A Década Perdida está em pré-venda e em pouco tempo terei nas mãos um livro físico com as minhas histórias. Confesso, não sei como me sentir a respeito disso, mas sei o que não fazer: não posso mais recusar o chamado da aventura.
Por isso, lutando contra todas as inibições do meu ser, eu lhes convido a me ler e divulgar aos seus amigos que meu livro está aí por nascer. Um nascimento que também é o meu. Uma gestação de 32 anos de um escritor que sempre se recusou a vir à luz. Obrigado a vocês por acompanharem essa longa e (quase) infindável gravidez. Mas agora acabou, ou, melhor, começou. É, talvez seja a hora de começar a escrever romances.
Clique aqui para comprar A Década Perdida. Uma coletânea de contos sobre e desde as manifestações de 2013 até o fim do governo Bolsonaro, passando pelas Olimpíadas e pela pandemia, com a enorme pretensão de marcar o fim desse período terrível e, tomara, significar a abertura de novos e melhores tempos. A capa é da genial Anne Mendes.
Assim que acabar a pré-venda devo marcar um lançamento aqui no escritório. Vocês sabem onde é e, óbvio, estão todos convidados. Mais detalhes quando o livro estiver na minha mão.
Muito obrigado por terem me acompanhado por todo esse processo. Sem vocês não teria chegado aqui! Podem acreditar nisso. Sozinho eu não teria conseguido.
Abraços e muito obrigado por todo o peixe,
Lisandro Gaertner
Parabéns! Adorei saber da publicação <3
Ah, fiquei emocionada mais uma vez com suas palavras. Se não fosse nosso encontro nos Valekers, com certeza também não teria meu autopublicado e nem teria seguido com a coragem de tentar - e conseguir - novos sonhos. Simbora!