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Todo mundo diz que quer ser independente. Desde criança, é só rolar um conflito com qualquer figura de autoridade (pai, mãe, professor(a), inspetor, valentão do ano seguinte, menina sebosa, dono da banca de jornal que não vende fiado) e lá vai a criança levantar seu bracinho birrento no meio de uma poça de xixi, literal ou metafórica, e pedir “Independência ou manha!”.
Mas, a gente sabe, não adianta nada. A criança chora, resmunga, chuta a parede, amaldiçoa a sua sorte e a dos outros, mas nada acontece. Todo mundo promete, mas ninguém, enfim, se torna independente dos seus algozes ou geradores de conflitos. E não porque os opressores são poderosos ou inescapáveis, mas, pois, é impossível se tornar independente; podemos, no máximo, trocar de quem somos dependentes.
É, eu sei, parece horrível ouvir isso, lamento muito lhe trazer essa notícia, mas é verdade: ninguém pode se tornar independente. Mas isso não é ruim, afinal, viver é criar laços. Estar verdadeiramente independente, separado do mundo, sem medos, desejos, ou emoções, seria estar morto, ou no Nirvana, o que deve ser bem similar.
Se avaliarmos as nossas vidas com atenção, é mole perceber como tudo o que somos depende das nossas dependências. Dependemos para nascer da união de pessoas e gametas; para nos tornamos indivíduos únicos precisamos criar relações com uma grande gama de personalidades e grupos; para garantir o nosso lugar no mundo dependemos das alianças que formamos, e das pessoas às quais servimos com nossas habilidades, nossos conhecimentos e nossas artes; e, enfim, para mantermos um pouquinho de posteridade dependemos das nossas criações e lembranças que continuarão a gerar laços e relações de dependência entre nós e o mundo que deixamos. Viver na, em e com a humanidade é depender uns dos outros.
Por isso, toda vez que aparece um idiota proclamando independências ou lutando por liberdades, i.e. tentando escapar de suas responsabilidades e desrespeitar seus relacionamentos, tudo o que consigo ver é uma criança birrenta que não aprendeu que a verdadeira graça da vida é escolher e gerir dependências.
Por isso, na próxima vez que se sentir oprimida e quiser se libertar, ou pedir a sua independência, respire fundo e se pergunte: com quem ou com o que gostaria de ter relações de dependências? Ou, no popular, o que e quem você ama ou de quem você gostaria de ser objeto de amor?
Ser dependente não é ruim, é simplesmente uma questão de saber que só depende de você decidir o que e quem amar.
Por falar nisso…
Tem um bando de coisa legal para gente ser dependente, mas cultura popular não é uma delas. Eu sei que parece impossível, mas Tig Notaro nos prova que é possível ignorar o mundo da cultura pop. (em inglês)
Por falar em quebrar laços com o que não nos faz mais bem: Copacabana, depois do 7 de setembro, estamos de mal. Ai de ti, Copacabana.
É duro nos distanciar do que já amamos, mas é melhor cortar logo os laços em vez de continuar com rituais esotéricos que perderam seu significado.
Uma outra maneira legal de fortalecer nossos laços, é sugerir novos. Aqui vai uma lista de recomendações de pessoas legais fazendo coisas interessantes com as quais você pode (e deve) esbarrar virtualmente. É verdade, ainda tem vida inteligente na internet.
Sobre A Década Perdida
A pré-venda terminou e, no fim de setembro, início de outubro, os livros chegarão aos que já compraram. Porém me disseram que ainda dá para comprar, mesmo que você só venha a receber ele um pouco mais tarde. Quando receber minhas edições, farei o lançamento no escritório, em meados de outubro, mas já aviso: melhor comprar antes e trazer sua cópia para assinar, pois só terei 10 livros para vender. Sério.
Bom, no mais, é isso.
Muito obrigado pela companhia, e saiba que sou muito feliz de depender da sua leitura.
Abraços,
Lisandro Gaertner
[atematica-003] (in) dependência
Que legal, Lisandro. Gosto muito dessa reflexão independência x dependência, escrevo um textinho sobre isso também,
acho que vc vai gostar, olha: https://tremdasonze.substack.com/p/enquanto-viver-sob-o-meu-teto
😍😍😍