Quem me conhece, sabe: eu tenho ranço de muitas coisas. Desde almas ostensivamente sebosas a falsos paladinos da moral; desde filmes modestamente pedantes a imbróglios comerciais; desde livros de poesia alternativa nostálgica a séries de autoajuda travestidas de literatura popular; desde discursos estatizantes picaretas a pitacos neoliberais baseados em metade da orelha de um livro ruim. Detesto tantas, mas tantas coisas que nem consigo enumerar.
Porém, como não sou narcisista, a minha tendência é jogar essa energia negativa para dentro, cavando um poço na minha alma para esconder todo esse mal-estar sob pilhas de ansiedade, tristeza e autocomiseração. Às vezes dá para ir nesse poço e fazer algo produtivo com o que encontro nele: um texto, um poema, uma ilustração, um comentário sarcástico. Aprendi a instrumentalizar os meus afetos negativos.
Como já dizia Freud, é preciso se fazer algo com todo esse mal-estar civilizatório: achar que a dor serve para algo ou tem algum propósito, o que eu não consigo fazer pois desaprendi a mentir para mim mesmo; sublimar através de alguma criação, meu método preferencial; ou usar drogas, o que, dado o tamanho do meu mal-estar, provavelmente me mataria de overdose. Então, das três opções, eu escolhi sublimar, só que isso não dá conta de tudo.
Por mais que eu lide com a minha negatividade de uma maneira bem ruinzinha, me espanto como o pessoal lida ainda pior. O país está cheio de amantes do ódio. Gente que adora armas, tortura, insultos e opressão; violências mil nascidas de ignorâncias sem fim. Infelizmente não dá para esperar que todo mundo, ao invés de direcionar toda essa agressividade para fora, a enterre dentro de si, como eu faço. Até gente bem legal, que não é ligada nessas violências, ficou tão acostumada a sentir raiva que a tornou um esporte ou uma distração. Afinal, se a insatisfação é inevitável, melhor transformá-la num prazer.
O problema é que, seja jogando para fora, ou para dentro, ou o tratando como um esporte, o ódio é mortal. Como cantava a Megh Stock naquela música antiga da banda Luxúria: “(…) ódio é o veneno que eu tomo querendo que o outro morra”.
Mas qual seria a saída para lidar com todo esse ódio, ainda considerando que vivemos em tempos odiosos, e estamos cercados por pessoas mais odiosas ainda? Será que dá para simplesmente parar de odiar? É, taí, será possível encerrar esse ciclo destrutivo do nada, abrir mão dessa hostilidade e, enfim, viver em paz?
É, seria incrível, mas, com certeza, não deve ser nada mole. Afinal os estímulos que nos fazem ferver por dentro ainda estarão por aí: gente racista, homofóbica e misógina; genocidas ignorantes viciados em leite condensado; pequenas realezas pseudo republicanas que defendem a morte e a exploração dos mais vulneráveis; imbecis sem imaginação que usam o dinheiro da cultura, saúde e educação para custear seus projetos débeis de dominação. Ou seja, toda essa galera que está no poder aí agora.
Expandindo a clássica frase de Fran Lebowitz, “Great people talk about ideas, average people talk about things, and small people talk about wine”, eu diria que a principal causa da nossa raiva é estarmos cercados de pessoas minúsculas que só falam sobre conspirações comunistas, mamadeira de piroca, reviver o AI-5, ideologia de gênero e fechar o STF. Na boa, não há como detestar esse tipo de gente de uma maneira normal. Simplesmente não dá.
O pior é que um dos principais problemas do ódio é que ele toma tempo do amor. Se estamos hipnotizados por feeds recheados de cortinas de fumaça, nos indignando com essa gente minúscula que nunca deveria ter saído de seus porões, ou discutindo o nosso “oh, vida, oh, azar” de todo dia, não conseguimos abrir espaço nas nossas agendas para as coisas que amamos.
Pensando bem, desde que esses tempos odiosos tomaram conta da nossa realidade, quase não tive tempo para celebrar minhas paixões com paz de espírito: juntar amigos para rolar dados, lançar magias, desbravar masmorras e pilhar dragões; ler apenas os cadernos de cultura dos jornais sem medo de ter deixado uma bomba prestes a explodir nas notícias de política e economia; curtir pocket books de fantasia e ficção científica sem precisar traçar paralelos com as distopias de hoje; desenhar histórias em quadrinhos bobas que ninguém vai ler; passar tardes ouvindo meus LPs ou revendo meus filmes em VHS sem morrer de vontade de voltar no tempo; bater papos descompromissados em botequins sem me sentir obrigado a falar de coisas que somos forçados a odiar.
Falando assim, parece que não há saída para o ódio, afinal a gente não consegue mudar o que a gente detesta nas pessoas. Mas, olha só, dá para mudar de pessoas que detestamos, e semana que vem temos uma grande chance de nos livrarmos de um bando de pessoas que nos últimos anos só nos tem dado motivos para sentir raiva.
Então, no próximo dia 2 de outubro, vamos nos livrar desse avatar do ódio que já tomou a nossa atenção por tempo demais, e escolher o outro presidente que, não precisamos amar, mas do qual poderemos ter raiva de uma maneira, assim, normal. Não é isso que chamam de sistema democrático?
Só nos livrando dessa fonte constante de ódio conseguiremos abrir espaço para as coisas que costumávamos amar e que por tanto tempo deixamos de lado. Eu sei que, depois desses 4 anos odiosos, eu estou precisando desse descanso, e, aposto, vocês também.
Por falar nisso…
Se você está angustiada com essa eleição, pensando nos seus votos ruins do passado, ou tem dificuldades de mudar de ideia, saiba, você não está sozinha.
Todo momento de mudança pede que a gente deixe algo entrar e algo sair. Se receber é uma arte, expulsar também o é.
.A única coisa que ambiciono é um amanhecer melhor em 3 de outubro. Será que o teremos?
No mais, é isso.
Muita tranquilidade e amor na próxima semana que promete ser um terror só, mas, vamos torcer, será uma das últimas.
Um excelente voto e Fora Bolsonaro!
Lisandro Gaertner
eu gosto muito das nostalgias que vc traz, como essa música lá do auge dos anos emo <3
bom voto pra nós, quem sabe dia 02 não tenhamos motivos pra ter menos ódio?